ENSINO RELIGIOSO...

O ENSINO RELIGIOSO COMO ÁREA DO CONHECIMENTO

Por: Jorge Schemes


Na revista ABCeducatio de agosto de 2004, na página 09 (Entrevista com Almerindo Afonso), foi mencionado o fato de que o Estado do Rio de Janeiro está contratando professores para lecionar em escolas públicas, e que, na disciplina de “religião”, estes professores “pregam” o criacionismo em oposição ao evolucionismo. Como resposta, o sociólogo Português mencionou o exemplo polêmico que houve na França, um país tradicionalmente aberto à diversidade cultural, que defendeu que o Estado não deve permitir determinados comportamentos que correspondam a um reforço de identidades étnicas ou religiosas no interior da escola pública. Segundo o sociólogo, o Estado deveria compatibilizar ambas as dimensões, e a escola deveria abrir-se ao reconhecimento das diferenças transformando-as em recurso e não em obstáculo pedagógico. Disse ainda que as diferenças culturais, étnicas, lingüísticas ou religiosas devem ser vistas como formas de enriquecimento. Almerindo Afonso se posicionou contrário a qualquer doutrinamento. “Todos os modelos que inculcam valores, desconsiderando o uso da racionalidade, da discusão e da problematização, ou que levam à aceitação acrítica de dogmas, são modelos que devem ser analisados com cuidado”, afirmou.
Diante do exposto, como teólogo, pedagogo e estudante do curso de Licenciatura Plena em Ensino Religioso do Programa Magister em Ciências da Religião na FURB, patrocinado pela Secretaria da Educação e Inovação de Santa Catarina, desejo fazer algumas considerações:
Em relação a contratação de professores para as aulas de “religião” no Estado do Rio de Janeiro, é importante considerar a nomenclatura usada no texto. Diante da LDBEN (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), o termo “aulas de religião” não é adequado, pois não se trata de disciplina de “religião”, mas disciplina de “Ensino Religioso” enquanto área do conhecimento humano. Também não se trata de “educação religiosa escolar”. Ensinar a disciplina de “Ensino Religioso” (ER) não é o mesmo que ensinar “religião”. O termo “aulas de religião” está mais para catequese e proselitismo do que para educação enquanto prática pedagógica. Diante disso, também é pertinente levantar alguns questionamentos: O que é Ensino Religioso (ER)? Qual deve ser a formação e habilitação do professor de ER? Como deve ser norteada a prática desta disciplina em sala de aula? O que diz a LDB e os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) sobre o ER?
Pessoalmente acredito que a nomenclatura Ensino Religioso, embora reflita a idéia de um conhecimento científico e respalde sua prática pedagógica, ainda não é a ideal. Essa área do conhecimento deveria constar na grade curricular como disciplina de “Ciência(s) da Religião”, o que estabeleceria uma relação lógica entre a nomenclatura da graduação e da disciplina, assim como ocorre com as demais áreas do conhecimento (História/ Física/ Química/ Geografia/ Matemática/ Português/ etc.). Quanto a habilitação do profissional envolvido na prática de ensino e aprendizagem do Ensino Religioso, o que deveria ser exigido pelos Governos Estaduais e Municipais é a Licenciatura Plena em Ensino Religioso por meio do Curso de Graduação de Ciências da Religião. Os Governos deveriam promover o ingresso destes profissionais nas escolas mediante concurso público. Porém, o que acontece, é que muitos professores contratados para esta área do conhecimento têm o Bacharelado em Teologia, o que não é adequado diante da proposta educacional feita pela LDB para o Ensino Religioso. A implementação do Ensino Religioso nas escolas da rede pública de ensino tem como ponto de partida os dispositivos da LDBEN N0 9394/96, de acordo com a nova redação do artigo 33 (Lei 9475/97), que se fundamenta nos PCNER (Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso), especificamente, no caso do Estado de Santa Catarina, da Lei 170/98 - Sistema Estadual de Ensino e da PCSC (Proposta Curricular de Santa Catarina). A Lei 9475 de 22 de julho de 1997 dá nova redação ao artigo 33 da Lei 9394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. “O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurando o respeito à diversidade cultural e religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo - Art. 33”.
§ 10 Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores.
§ 20 Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso”.
Segundo a Proposta Curricular de Santa Catarina (Implementação do Ensino Religioso), “O substitutivo, Lei 9475/22 de julho de 1997, desencadeou na sociedade brasileira um processo significativo em prol do Ensino Religioso, esclarecendo de vez o seu papel e a sua importância na educação e corrigindo distorções históricas não redimidas no texto de lei do dispositivo anterior. Dessa forma, pela primeira vez no Brasil se criam oportunidades de sistematizar o Ensino Religioso como disciplina escolar que não seja doutrinação religiosa e nem se confunda com o ensino de uma ou mais religiões. Tem como objeto a compreensão da busca do transcendente e do sentido da vida, que dão critérios e segurança ao exercício responsável de valores universais, base da cidadania”.
A disciplina do Ensino religioso para o Ensino Fundamental deve valorizar o pluralismo e a diversidade cultural presente na sociedade, em particular na realidade de cada comunidade escolar. Além de valorizar, deve construir o respeito, com bases na ética da alteridade sendo proibido por lei a prática do proselitismo.
Como disciplina e área do conhecimento construído historicamente, o Ensino Religioso necessita:
1. “Proporcionar o conhecimento dos elementos básicos que compõem o fenômeno religioso, a partir das experiências religiosas percebidas no contexto do educando;
2. Subsidiar o educando na formulação do questionamento existencial, em profundidade, para dar sua resposta, devidamente informado;
3. Analisar o papel das Tradições Religiosas na estruturação e manutenção das diferentes culturas e suas manifestações socioculturais e econômicas;
4. Facilitar a compreensão do significado das afirmações e das verdades de fé das Tradições Religiosas;
5. Refletir o sentido da atitude moral, como conseqüência da vivência do fenômeno religioso e expressão da consciência e da resposta pessoal e comunitária do ser humano;
6. Possibilitar esclarecimentos sobre o direito à diferença na construção de estruturas religiosas”. (PCNER, 1997, p. 30 e 31).
Considerando a urgência na formação específica do profissional de ER e da adequação do currículo à Lei, faz-se necessário construir um novo paradigma cultural para o embasamento teórico e para a prática do ER nas escolas da rede pública de ensino. Não é possível admitir que diante da proposta da LDBEN e dos PCNER o Ensino religioso ainda esteja sendo negligenciado e tratado com pouca importância por algumas instituições públicas e mais especificamente por suas unidades de ensino. A relevância deste assunto extrapola os interesses pessoais e políticos, pois envolve a formação ética e moral de crianças e adolescentes, bem como a construção de valores sólidos que garantam a liberdade religiosa, o respeito pela diversidade e pelo diferente manifestado no rosto do outro.


Jorge N. N. Schemes - Escritor, Palestrante, Teólogo, Psicopedagogo e Estudante de Ciências da Religião na FURB.

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