ANALFABETISMO

ANALFABETISMO: QUAIS AS SUAS DIMENSÕES?

Por: Jorge Schemes*

Numa sociedade dividida por classes, os analfabetos são considerados meros "objetos" no processo de alfabetização como simples aprendizagem da leitura e da escrita. Quando participam deste processo, o que lhes é proposto se trata de um conhecimento (informação) acabado (a), como se fosse um dogma (verdade inamovível). Não são convidados a pensar e muito menos a conhecer e reconhecer as limitações do conhecimento anterior para poder transformá-lo e assim conhecer mais, de forma crítica e dialética (princípio da contradição). Neste contexto, segundo Paulo Freire*, "ser consciente é a forma radical de ser dos seres humanos enquanto seres que, refazendo o mundo que não fizeram, fazem o seu mundo e neste fazer e re-fazer se refazem. São porque estão sendo". Assim, ler e escrrever mecanicamente como resultado de um esforço cognitivo e psicomotor não garante a verdadeira leitura (interpretação) do contexto sociocultural e econômico no qual se está inserido, a não ser que a alfabetização propicie uma compreensão crítica da realidade. Segundo a UNESCO um cidadão alfabetizado consegue utilizar a leitura e a escrita para se inserir plenamente na sociedade e compreender a realidade. Alfabetizado é aquela pessoa que tendo uma idéia é capz de descrevê-la de forma que o leitor receba essa idéia com certa fidelidade e entendimento. Todavia, por outro viés, o analfabetismo absoluto é o que caracteriza aquele indivíduo que não é capaz de ler e de escrever o próprio nome, considerando ainda que há também o analfabetismo funcional. Segundo a terceira pesquisa realizada no Brasil sobre analfabetismo funcional, 75% da população não conseguem ler e escrever plenamente. O número inclui os analfabetos absolutos (aqueles sem nenhuma habilidade de leitura e escrita) e os 68% considerados analfabetos funcionais, ou seja, aqueles que têm dificuldades para compreender e interpretar textos. Segundo o Ministério da Educação há cerca de 15 milhões de analfabetos absolutos no Brasil. Contudo, esta estatística torna-se muito mais abrangente quando levamos em consideração que apenas escrever o próprio nome não é mais suficiente diante da sociedade capitalista e da filosofia do liberalismo pós-moderno. Certamente, há outros tantos que sabendo escrever, ou melhor, "desenhar" o próprio nome (memorização), não sabem ler. Outros tantos ainda que sabendo ler e escrever, não são capazes de entender e interpretar o que lêem. O que é mais grave talvez seja o tipo de analfabeto que, estando dentro de uma escola e participando diariamente das aulas ainda não sabe ler e escrever plenamente. Não estou me referindo a alunos da primeira série em processo de alfabetização, mas de outras mais avançadas da educação básica. Como isso é possível? Como um aluno que está dentro da escola e é capaz de aprender não sabe ler nem escrever? Dentre muitos fatores devemos considerar que há forças e interesses políticos que visam garantir verbas públicas destinadas para o ensino fundamental, e estes alunos foram impulsionados para as séries seguintes, pois um alto índice de reprovação significaria redução desses investimentos. Mas afinal, qual é o papel fundamental da escola? Não seria o de primeiramente e fundamentalmente ensinar a leitura e a escrita? No sentido mais amplo dos termos, ler e escrever significam ações psicomotoras e cognitivas mais significativas das ações e operações pedagógicas dentro do processo de ensino e aprendizagem. A escola, por sua natureza sistêmica e epistemológica, deve promover atividades de aprendizagem que garantam a todos os discentes, sem distinção e discriminação, o direito à aquisição destas habilidades. Há uma intencionalidade nas ações pedagógicas, a qual é fundamentalmente a de construir cultura. Todavia, isso só é possível quando o ser humano é capaz de apropriar-se da linguagem e de diferentes processos de comunicação de maneira eficiente e funcional. Esta necessidade torna-se mais relevante no século XXI, considerado por muitos comunicólogos como o século da informação. Como psicopedagogo e professor de filosofia da educação percebo que uma das saídas para esta crise na alfabetização de alunos com dificuldades de aprendizagem é a implantação e implementação de políticas públicas que promovam um novo modelo de suporte pedagógico dentro das unidades escolares da rede pública de ensino. Faz-se necessário a criação de uma equipe interdisciplinar dentro de cada unidade de ensino. Esta equipe de suporte pedagógico seria formada pelos seguintes especialistas: orientador escolar, supervisor escolar, psicopedagogo e psicólogo. Esta equipe daria suporte aos professores alfabetizadores dentro da escola. Ao primeiro sinal de deficiência na leitura e na escrita o aluno seria encaminhado para uma avaliação psicopedagógica e psicológica. Um trabalho em rede com outros órgãos públicos seria o ideal, dentre eles: Conselho Tutelar, Secretaria do Bem Estar Social, Secretaria da Saúde e Ministério Público (Juizado da Infância e Juventude). Quando necessário, após avaliação psicopedagógica e psicológica, o aluno seria encaminhado para atendimento pertinente ao seu problema. Os professores alfabetizadores entrariam em ação e atenderiam a este aluno com exclusividade, até que o mesmo tivesse o domínio necessário da leitura e da escrita. É fácil pressupor que se não há o domínio destas habilidades fica impossível ao aluno acompanhar os conteúdos curriculares definidos e propostos pela escola. Evidentemente que esta estrutura não depende da boa vontade de voluntários dentro da unidade escolar, mas de políticas públicas que priorizem de fato a qualidade na educação como um todo e garantam a contratação de profissionais qualificados por meio de concursos públicos. Alegar que não há verbas não é uma boa desculpa para o Governo, pois ao final, quem vai mesmo pagar a conta somos todos nós.


*Jorge Schemes – Professor de Filosofia da Educação na FEJ - ACE.
E-mail: jorgeschemes@yahoo.com.br
Fones: (47) 454-4040 / 9108-3954
Bibliografia:
*In: GADOTTI, Moacir. História das Idéias Pedagógicas. São Paulo: Ática, 2004.
Jornal A Notícia. 75% da população não sabem ler e escrever. Sexta-Feira, 9/9/2005, A13.

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