RESSIGNIFICANDO O OFÍCIO DE MESTRE


RESSIGNIFICANDO O OFÍCIO DE MESTRE

Por: Jorge Schemes*

Há perguntas filosóficas que são essenciais para repensar a profissão de professor como um ofício, são elas: O que é ser professor? O que é ser educador? O que é ser pedagogo? Estas são perguntas distintas que devem ser refletidas em seu contexto próprio e tempo histórico. Como professores educadores temos o dever e o direito a qualificação como um processo de formação permanente. Este é um de nossos direitos como profissionais e também como seres humanos. Manter constantemente abertas as linhas de formação plena para a discusão e a reflexão sobre o nosso ofício e nós mesmos é fundamental, pois educação só se faz com gente. O sentido profundo do humanismo pedagógico é o ser humano, os conteúdos são mediações ou não, para esse sentido. Historicamente, à medida que a educação se tornou ensino, o conteúdo passou a ser mais importante que o humano no ser, tanto do professor quanto do aluno, a centralidade da figura do educador se perdeu e a instituição passou a ser priorizada na avaliação da comunidade, e não mais a atuação do professor em si. Assim, o profissional da educação passou a ser esquecido e ele mesmo se auto-esqueceu, daí a pergunta: quem é o professor? A resposta revela uma profunda necessidade de humanização das inter-relações que se desenvolvem nas práticas pedagógicas e no cotidiano da escola, ou seja, os professores têm necessidade de conhecer uns aos outros.
Outra leitura que se faz dentro da escola pode ser simbólica e midiática. Os símbolos dentro da escola precisam ser mais humanizados e possuir um significado mais cultural que falem alguma coisa. A escola como ponto de encontro cotidiano precisa ser mais humanizada para os professores. Deveria haver um tempo de encontro cotidiano e não apenas esporadicamente. Faz-se necessário desconstruir as imagens que temos de professores e professoras. Essa não é uma tarefa fácil, pois não é fácil ser livre e ético, por isso se torna necessária a educação para a liberdade e a ética. O que ocorre é que as imagens que se apresentam diante de nós de maneira concreta todos os dias estão quebradas, e quem trabalha com vidro quebrado pode se machucar. Há infâncias e adolescências quebradas. Viver na sociedade sem paradigmas éticos é um desafio muito grande para todos, principalmente para que ainda está formando a sua identidade social. Mas a pergunta que se faz é: será possível construir a imagem que queremos? Há liberdade plena para isso? Quais são as imagens e auto-imagens que temos da educação? Primeiro devemos considerar que a educação é uma construção histórica e sua imagem também. Há uma tensão histórica e dialética na construção da imagem do mestre. O próprio ser humano é um processo em construção histórica (produto da história). Não há um molde para essa construção formativa, se temos que construir nossa imagem devemos perguntar se de fato somos livres para isso. Temos que construir nossa liberdade, nossa autonomia intelectual e moral. O fato é que a imagem do professor está distorcida, basta observar o que a mídia apresenta na data que comemora o seu dia. Se fizermos um levantamento da imagem do professor no dia do professor, a mídia ainda persiste em apresentá-lo como um sacerdote ou meramente um técnico. Afinal, que imagem temos da educação e do professor? Que imagem queremos? Não podemos negar que há um imaginário muito forte sobre o magistério, parecemos “pau para toda obra”. Há uma transferência de responsabilidades.
Precisamos refletir que o foco pedagógico não está no passado ou no futuro, mas no presente. Afinal, que imagens já estão em construção hoje? O que observamos é que há uma tensão dialética das imagens já construídas e as que estão sendo construídas. Como profissionais da educação somos sujeitos de direitos, não somos “pau para toda obra” ou uma “legião de boa vontade e voluntariado”. Que imagem profissional nós temos quando nos contrastamos com outros profissionais? O fato é que todos, indiscriminadamente, se acham no direito de opinar sobre educação, isso demonstra a falta de profissionalismo na educação e a ausência de uma imagem e auto-imagem profissional. Para isso é necessária qualificação profissional e capacitação permanente. O que podemos fazer para tornar o nosso campo de atuação mais profissional? Uma fundamentação teórica pedagógica mais consistente pode ser um bom começo. Embora muitos educadores sejam avessos a teoria educacional, ter mais clareza de nosso embasamento profissional é essencial para a práxis pedagógica. Mas como garantir esse embasamento profissional? Somos profissionais de direitos, especialista de direitos, pessoas de direitos e devemos garantir nosso direito a ser gente, nosso direito à educação continuada. Devemos lutar para garantir o direito a nos construir como humanos. O que é necessário para avançar nesta imagem? Qual nossa visão dos educandos? Qual nossa autovisão? Qual a concepção de ser humano e do humano o ser que norteia nossa prática pedagógica? O fato é que são os educandos que revelam nossa identidade. Então, como vemos nossos educandos? Que concepção de ser eu tenho? Assim como é fundamental o auto-reconhecimento como pessoa de direitos, também é importante reconhecê-los como sujeitos de direitos, seja na infância, na adolescência, na juventude, na vida adulta e na terceira idade. O olhar sobre eles não pode ser telescópico, fixo. Precisa ser um olhar caleidoscópico que contemple as diferenças e a diversidade. Não podemos falar e pensar em infância e juventude, mas sim em infâncias e juventudes. Precisamos de um olhar caleidoscópico sobre os tempos de vida e os sujeitos. O cidadão não será, ele já é em cada tempo de vida. Não se educa para ser, mas para exercer. Todavia, o fato é que a educação ainda não é um direito universal nem natural, como o direito à vida. Enquanto não considerarmos nossos educandos como sujeitos de direitos durante todo o tempo de sua existência, e todo o tempo humano como um direito à educação, não poderemos falar em inclusão. Para isso, faz-se necessário reinventar o profissional da educação, porque o fantasma das crianças e jovens quebrados pela escola nos atormenta como profissionais. A falta de respeito à condição humana em todos os tempos é um escândalo psicosocial. Respeitar todos os tempos de vida do ser humano é não aceitar que um adolescente fique no meio de crianças para receber uma pretensa educação. A reprovação é a quebra da alma humana de uma criança e jovem, e de quem é sempre a culpa? Como adjetivamos nossos alunos? Que visão humana ou desumana temos? Nos conselhos de classe em que tenho participado percebo que geralmente não se usam termos técnicos para classificá-los, mas pejorativos. A culpa é sempre deles, dos incapazes, e nunca da escola ou do mal profissional da educação, ou ainda do processo pedagógico. Há uma tremenda necessidade de compreender as transformações das necessidades das novas gerações. O conflito de gerações é real e só uma maneira de superá-lo, a profissionalização e capacitação do profissional da educação. Afinal, qual é a nossa função? Somos ensinantes ou educadores? Ensinar ou educar, eis a questão. Devemos considerar que durante muito tempo a pedagogia conduziu a infância, agora é a infância que nos guia e nos mostra o que é relevante e necessário para este tempo histórico.
Somos profissionais da educação e não apenas do ensino. Precisamos recuperar o significado das palavras educação e educadores. Se toda docência é um processo humano, é impossível ser apenas um ensinador e não ser educador. Assim, todo educador é professor de moral, quer tenha consciência disso ou não. Transmitimos valores em nossa ação pedagógica. Vivemos um momento de crise moral, de crise de valores, de crise ética. Vivemos um momento de gestação, em que a lacuna ética precisa ser preenchida. Essa falta de valores tem criado escolas cemitérios, com uma educação para mortos e para a morte. Há uma perda de autoridade muito grande, e um aumento do autoritarismo. Considerando que autoridade e autoritarismo são coisas bem distintas, é fundamental que como profissionais da educação saibamos construir nossa autoridade pela nossa competência e comprometimento. Autoritarismo não é educação. A escola não pode ser considerada como uma máquina ensinante, há que recuperar o humanismo pedagógico, pois educar é humanizar, é recuperar a humanidade roubada, quebrada e esquecida.
Se for preciso redefinir os currículos congelados e obsoletos, que assim seja. Se for preciso redefinir a docência, a didática, os métodos medievais, as práxis e o próprio educador, que assim seja. Que dimensões da educação e do próprio ser humano precisam ser redefinidas? Afinal, o que o ser humano? Quem é esse ser que se coloca diante de mim para ser educado? Qual o seu tempo histórico e de vida? Certamente é um microcosmo, um ser complexo e maravilhoso. É preciso considerar o ser humano enquanto cultura e civilização. Quais seus valores, conhecimentos, símbolos, crenças, etc? Devemos nos questionar: que dimensões do ser humano valorizamos mais e que dimensões nem tocamos? Na visão tradicional é a dimensão cognitiva a privilegiada, pois é capaz de conhecer e produzir o conhecimento. Na postura tradicional o fluído do conhecimento deve ser derramado e encher ou fazer a cabeça. Todavia, a capacidade de pensar é que transformará a informação em conhecimento e este em sabedoria. Que tipo de conhecimento desejamos construir e estamos construindo? Conhecimento estragado, ultrapassado e obsoleto, ou conhecimento saudável? Morto ou vivo? Daí a necessidade de um conhecimento filosófico que leve à prática da filosofia como ferramenta que fundamentará o pensar e o agir. Apresentar aos educandos uma grade curricular que é uma prisão do conhecimento, ou um conhecimento alienador, fechado, pronto e acabado, é torná-los meros refletores do pensamento já pensado. Em nosso tempo histórico devemos considerar que a grande matriz curricular é a cultura e o conhecimento faz parte da cultura. Hoje há o que pode ser definido de analfabetismo cultural. Educadores e educandos são pessoas de direitos a cultura. Isso envolve aspectos éticos de comprometimento, e a urgente necessidade de educar condutas, de ensinar valores com intencionalidade. Todavia isso só será possível com a resignificação do professor como educador e profissional.


* Este texto foi produzido como resultado das anotações feitas durante uma palestra proferida pelo educador e escritor Miguel Arroyo.

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