Por: Jorge Schemes*
Inicialmente há de se estabelecer alguns questionamentos: Qual o entendimento que os professores de Ensino Religioso devem ter da Teoria da Atividade? Como este entendimento afetará sua prática didático-pedagógica em sala de aula? Por que é importante que os professores de ER entendam os conceitos fundamentais da Teoria da Atividade? Em que contexto filosófico mais amplo situa-se esta teoria? O professor de Ensino Religioso é um agente mediador no processo de ensino e aprendizagem e não o detentor do saber. Para o êxito didático-pedagógico e uma melhor qualidade das aulas de Ensino Religioso é necessário que as atividades realizadas tenham uma vinculação com a realidade dos alunos e uma finalidade. A Teoria da Atividade não pode ser considerada como toda e qualquer ação de aprendizagem sem motivação, por essa razão é necessário analisar a problemática da relação entre teoria e prática no Ensino Religioso, tendo como referência a Proposta Curricular de Santa Catarina, e de maneira mais específica a Teoria da Atividade.
Dentro desta definição, as atividades humanas são consideradas como formas de relação do homem com o mundo, dirigidas por motivos, por fins a serem alcançados. A idéia de atividade envolve a noção de que o homem é orientado por objetivos, agindo de forma intencional, por meio de ações planejadas. Por essas razões, “O sujeito é visto como resultado: a) de sua carga biológica; b) de sua própria atividade; c) do processo histórico social de sua vida” (FICHTNER, 1999:4). Conforme avaliação de Lompscher (1996:93), também é possível estruturar atividades de aprendizagem como sendo “processos de abstração/concreção/abstração, numa visão facilmente compreensível a partir do entendimento do processo de apropriação/elaboração de conceitos científicos”. Para Leontiev (1978:56), a atividade de cada indivíduo ocorre num sistema de relações sociais e de vida social, onde o trabalho ocupa lugar central. A atividade psicológica interna do indivíduo tem sua origem na atividade externa: “[...] os processos mentais humanos (as funções psicológicas superiores) adquirem uma estrutura necessariamente ligada aos meios e métodos sócio-historicamente formados e transmitidos no processo de trabalho cooperativo e de interação social”. Leontiev analisa a estrutura da atividade humana distinguindo três níveis de funcionamento: a atividade propriamente dita, as ações e as operações. Um exemplo dado por Leontiev explicita esses três níveis de funcionamento: "Quando um membro de um grupo realiza sua atividade de trabalho ele o faz para satisfazer a uma de suas necessidades. Um batedor, por exemplo, que toma parte de uma caçada coletiva primitiva, foi estimulado pela necessidade de alimento ou, talvez, pela necessidade de vestimenta, que a pele do animal morto satisfaria para ele. Mas, a que sua atividade estava diretamente orientada? Poderia estar orientada, por exemplo, para afugentar u bando de animais e encaminhá-los na direção de outros caçadores tocaiados. Isso, na verdade, é o resultado da atividade desse homem. E a atividade desse membro individual da caçada termina aí. O restante é completado pelos outros membros. Por si só, esse resultado – a fuga da caça, etc. – não leva, e não pode levar, à satisfação da necessidade de comida ou de vestimenta. Conseqüentemente, os processos da atividade do batedor estavam direcionados a algo que não coincidia com o que os estimulou, isto é, não coincidia com o motivo de sua atividade; os dois estavam separados nesse exemplo. Aos processos cujo objeto e motivo não coincidem chamaremos ações. Podemos dizer, por exemplo, que a atividade do batedor é a caçada e o afugentar do animal, sua ação". (LEONTIEV, 1978:210).
Percebemos nesse exemplo como a atividade é uma forma complexa de relação homem-mundo, que envolve finalidades conscientes e atuação coletiva e cooperativa. A atividade é realizada por meio de ações dirigidas por metas, desempenhadas pelos diversos indivíduos envolvidos na atividade. O resultado da atividade como um todo, que satisfaz à necessidade do grupo, também leva à satisfação das necessidades de cada indivíduo, mesmo que cada um tenha se dedicado apenas a uma parte específica da tarefa em questão. O terceiro nível da atividade humana elencado por Leontiev, o nível das operações, refere-se ao aspecto prático da realização das ações, às condições em que são efetivadas, aos procedimentos para realizá-las. Segundo Leontiev: "Além de seu aspecto intencional (o que deve ser realizado) a ação também inclui seu aspecto operacional (como, de que modo pode ser realizada), o qual é determinado não pela meta em si, mas pelas condições objetivas (ambientais) para sua realização. [...] A esses modos de desempenhar uma ação chamo de operações". (LEONTIEV, 1978:27).
Podemos concluir que uma mesma atividade humana pode ser desempenhada por meio de diferentes cadeias de ações: a atividade da caça pode envolver as ações de afugentar os animais e emboscá-los, como no exemplo mencionado anteriormente, ou as ações de construção de armadilhas e posterior matança dos animais que nelas caem, ou ainda as ações de colocação de alimentos em determinado local para atrair o animal. Da mesma forma, uma ação pode ser desempenhada por meio de diferentes operações: o abate de um animal pode ser realizado por golpes de bastão, flechadas, lanças, etc. Segundo Luria (1992:29), “o funcionamento do ser humano não pode, pois, ser compreendido sem referência ao contexto em que ocorre”. Neste contexto, a atividade humana é o resultado do desenvolvimento sócio-histórico sendo internalizada pelo indivíduo e constituindo sua consciência, seus modos de agir e sua forma de perceber o mundo real. Desta maneira, a compreensão do contexto cultural no qual ela ocorre é essencial para a compreensão dos processos psicológicos. Para Leontiev (1978:167), “conforme se transforma a estrutura da interação social ao longo da história, a estrutura do pensamento humano também se transforma”. Podemos reconhecer, na Teoria da Atividade de Leontiev, vários conceitos presentes nas principais formulações de Vygotsky. A própria idéia da atividade baseia-se na concepção do ser humano como sendo capaz de agir de forma voluntária sobre o mundo, intencionalmente buscando atingir determinados fins. Esse modo de funcionamento psicológico é a base do que Vygotsky denomina de “processos psicológicos superiores tipicamente humanos”. Na concepção de Vygotsky, os processos superiores envolvem, necessariamente, relações entre o indivíduo e o mundo, que não são diretas, mas mediadas pela cultura.
Conforme esta avaliação podemos identificar um conceito para a Teoria da Atividade, ou seja: atividade é a ação de um sujeito ativo, o que implica considerar a vontade e a motivação para agir. É um conjunto de ações que têm uma finalidade, uma motivação e uma profunda vinculação com a vida do agente. Nesse contexto Viesser destaca que: "O Ensino Religioso necessita ter presente na aprendizagem os conhecimentos anteriores do educando e possibilitar uma continuidade progressiva no entendimento do fenômeno religioso... O Ensino religioso é disciplina cujo conhecimento constrói significados a partir das relações que o educando estabelece no entendimento do fenômeno religioso; e, essa construção vai se arquitetando pela observação do que se constata, pela reflexão do que se observa e pela informação sobre o que se reflete". (VIESSER, 1998:20)
Estes conceitos nos reportam ao contexto no qual a Teoria da Atividade está inserida e são ao mesmo tempo interdependentes, ou seja, a concepção de aprendizagem definida como Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). A idéia central segundo Hentz (2000:67), “é de que esta teoria educacional está ligada à concepção de aprendizagem sociointeracionista em dois níveis: o nível de desenvolvimento real, ou seja, o que o aluno já sabe e conhece; e o nível de desenvolvimento potencial, ou seja, o que o aluno não sabe e não conhece, mas tem potencial para saber”. Entre estes dois pólos está a mediação do professor de Ensino religioso, não como centralizador do conhecimento, mas como facilitador do processo de apropriação. Portanto, podemos dizer que o pressuposto pedagógico do Ensino Religioso deve ser a mediação do professor na construção do conhecimento, o que implica em motivar seus alunos, partindo sempre do nível real para o nível potencial, para que deste modo o conhecimento construído tenha forte vínculo com a realidade de seus alunos e conseqüentemente tenha significado para suas vidas. Diante disto, o professor de Ensino Religioso pode estabelecer a alteridade como condição ética para uma mediação eficaz e coerente com o artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que preconiza o respeito à diversidade religiosa e cultural presentes na sociedade brasileira.
*Jorge Schemes:
Referências:
FICHTNER, Bernd. A Escola Histórico-Cultural e a Teoria da Atividade: a Importância na Pedagogia Moderna. Santa Maria: Cadernos de Pesquisa, 1996.
LEONTIEV, A. N. Actividad, Conciencia y Personalidad. Buenos Aires: Ediciones Ciências del Hombre, 1978.
LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Horizonte, 1978.
LOMPSCHER, Joachim. Aprendizagem, Estratégias e Ensino. In: I Congresso Internacional de Educação de Santa Catarina: Vygotsky 100 anos (Anais). Florianópolis: Secretaria de Estado da Educação e do Desporto, 1996, p. 87 – 108.
NUNES, Isauro Beltran & PACHECO, Otmara Gonzáles. La Formación de Conceptos Científicos Una Perpectiva Desde la Actividad. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 1997.
SANTA CATARINA, Secretaria de Estado da Educação e do desporto. Proposta Curricular de Santa Catarina: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio: Disciplinas Curriculares. Florianópolis: COGEN, 1998.
________________, Secretaria de Estado da Educação e do Desporto. Diretrizes 3: organização da prática escolar na educação básica: conceitos científicos essenciais, competências e habilidades. Florianópolis: Diretoria de Ensino Fundamental / Diretoria de Ensino Médio, 2001.
________________, Secretaria de Estado da Educação e do Desporto. Tempo de aprender: subsídios para as classes de aceleração de aprendizagem nível 3 e para toda a escola. Florianópolis: DIEF, 2000.
________________, Secretaria de Estado da Educação e do Desporto. Proposta Curricular de Santa Catarina: Implementação do Ensino Religioso. Florianópolis: SED, 2001.
Um comentário:
Sr. Schemes, bem elucidativo seu texto, mas faltaram dois pontos essencias na discussão da TA de Leontiev, assim como da psicologia de orientação marxista (Escola de Vigotski):
1. indicar que ama das finalidades centrais desta abordagem é o desenvolvimento da autonomia do indivíduo o que implica o segundo ponto;
2. o professor de religião deve efetivamente discutir o papel da religião na sociedade e o quanto ela é impeditiva do desenvolvimento da liberdade.
LENDO VIGOTSKI E LEONTIEV ISSO FICA MAIS DO QUE CLARO!!!
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