Nos últimos três anos e meio em que
vive no Brasil, trabalhando como diretor de pesquisa do Instituto
Igarapé, um dos principais centros de estudos do mundo sobre segurança
pública, o canadense Robert Muggah passou a conhecer de perto o problema
da violência no país.
Antes disso, Muggah já havia acumulado um
grande conhecimento sobre segurança pública, ao estudar o assunto em seu
doutorado em Oxford e ao trabalhar em projetos de combate à violência
em mais de 50 países.
É com base nesta experiência acumulada que
ele trouxe boas e más notícias ao TED Global, conferência de projetos e
ideias inovadoras atualmente em curso no Rio de Janeiro.
A
má notícia é que ele vê um aumento da violência no Brasil e que o país
está no caminho inverso ao de várias partes do mundo onde as taxas de
criminalidade vêm caindo.
A boa notícia é que, com a internet, a
imensa quantidade de dados hoje disponíveis e as tecnologias digitais,
todo brasileiro pode contribuir com o combate à violência.
A seguir, ele explica como.
BBC Brasil - O que o cidadão comum podem fazer para combater a violência?
Robert Muggah -
Estamos num momento da história em que, em um ano, são gerados mais
dados do que todos os dados disponíveis nos dois mil anos anteriores.
Isso está gerando oportunidades enormes para cidadãos usarem informações
de novas formas.
Uma delas é usar este grande volume de dados
para entender tendências, como, por exemplo, a distribuição da
violência. Um exemplo é a ferramenta que criamos que mostra as
importações e exportações de armas e munição no mundo desde 1992.
Estes
dados estão disponíveis publicamente na ONU, mas ninguém havia pego e
feito algo com isso. Três meses depois do lançamento, tivemos 5 milhões
de visitas, o que mostra que há um grande interesse por isso, não só
entre ativistas e governos, mas em outros setores da sociedade.
A
segunda forma é por meio de novas ferramentas colaborativas para buscar
soluções para a violência coletivamente. No México, por exemplo, houve
um apagão na mídia sobre este assunto, porque, ao falar da violência, os
jornalistas e blogueiros se tornam alvos dos cartéis.
Muitas
organizações se uniram para substituir a mídia e informar onde é seguro
de se estar ou não. Quando há um tiroteio, a mídia pode não falar disso,
mas há posts no Facebook e no Twitter sobre o assunto.
Isso pode
ser reunido e divulgado por estes novos centros de informação. O mesmo
ocorreu no Quênia, onde os cidadãos passaram a monitorar a violência por
conta própria. Isso permite criar informação em tempo real, de forma
interativa e com a ajuda não de poucas pessoas, mas de toda a população.
Isso não era possível há dez anos.
Em terceiro lugar, é possível
criar programas para celular para ajudar as pessoas a se protegerem. Há
exemplos de sistemas de alarme, em que você pode usar o telefone para
chamar a polícia sem que isso seja notado, enviar uma mensagem com um
pedido de socorro, disparar uma sirene. Há um grupo no Egito que
monitora a violência sexual. E estas ferramentas alimentam os sistemas
dos quais já falamos.
BBC
- Especialmente depois dos protestos, a violência policial passou a ser
mais debatida. Como podemos nos proteger deste tipo de violência?
Muggah -
Essa é uma questão importante ao redor do mundo. Hoje, as pessoas são
menos tolerantes com a violência policial. Mais casos vêm mais à tona, e
as pessoas debatem mais sobre isso. O Brasil tem uma das polícias mais
violentas do mundo. A ONU repete isso sempre.
Uma coisa que se
pode fazer é usar a tecnologia e os dados. No ano passado, analisamos os
posts em redes sociais para ver se há uma relação entre os Black Blocks
e outros grupos afiliados e a brutalidade policial, porque a imprensa
dizia que os Black Blocks estavam forçando a polícia a ser violenta.
Rastreamos
milhões de posts para entender a reação gerada sempre que havia um
incidente de violência policial. Mostramos que, quando a polícia usava
mais força, a influência dos Black Blocks crescia. Então, fomos à
Polícia Militar para mostrar isso.
Eles se impressionaram, porque
não tinham a capacidade de fazer esta análise por conta própria.
Mostramos que talvez fosse necessário abrir canais de negociação, porque
a força não era uma alternativa. Então, a sociedade pode fazer o mesmo e
levar estas informações para a internet para criar um debate. Os dados
gerados hoje permitem fazer isso.
BBC - Houve uma resposta prática da polícia quanto aos Black Blocks?
Muggah -
Foram criados times especiais para negociar com os manifestantes. Os
cidadãos podem fazer o mesmo. Hoje, existem ferramentas para que
cidadãos denunciem o abuso policial.
Nos Estados Unidos, o uso de
câmeras no corpo dos policiais é obrigatório em 20 Estados. Mas é
preciso ter muito cuidado com isso, porque não queremos que estas
ferramentas sejam mal usadas.
Então, estamos fazendo um teste com
muito cuidado nas UPPs para ver se funciona. Mas sabemos, por exemplo,
que fazer com que policiais usem câmeras gerou na Califórnia uma redução
de 75% nas queixas contra violência policial e uma queda de 65% nas
denúncias contra este tipo de conduta.
Claro que a Califórnia não é
o Brasil, mas existe por lá um problema sério de abuso de força por
policiais contra minorias. O importante é que estamos reunindo dados e
fazendo pesquisas para ver se isso funciona, porque se trata de uma nova
fronteira.
BBC
- Imagino que o senhor esteja acompanhando as eleições no Brasil. O que
o senhor acha da forma como a segurança pública vem sendo debatida?
Muggah -
A segurança pública esteve praticamente fora dos debates. Isso é uma
vergonha, porque houve uma grande mudança nos últimos anos, e o público
está mais atento à esta questão. Também porque há algo errado no Brasil
nesta questão.
Houve avanços em São Paulo, Rio e Pernambuco. Mas,
de forma geral, as taxas de assassinatos e outros tipos de crime
continuam a aumentar. O Sul está um pouco mais seguro, mas o Norte está
mais inseguro.
É uma loucura que 13 das 50 cidades mais inseguras
do mundo estejam no Brasil. Parece que a violência está fora do
controle. Então, seria de se esperar que o assunto receberia mais
atenção. Mas sabemos que, em qualquer eleição presidencial, o debate
sobre segurança pública é algo muito perigoso para os candidatos. Não
vale a pena debater ou fazer muitas promessas sobre esta questão.
BBC - Quais deveriam ser as prioridades de segurança pública do próximo presidente do país?
Muggah -
Em primeiro lugar, criar um sistema de informação mais eficiente sobre
homicídios, violência policial, a população prisional. Hoje, temos é uma
colcha de retalhos, em que alguns Estados têm dados enquanto outros
não.
É impossível ter uma política séria sem dados de qualidade. É
como com o câncer. Como você pode tratar uma doença sem diagnosticá-la?
Nos dois casos, a informação de qualidade é algo crítico. Também é
necessária uma estratégia nacional para homicídios no país.
Ter 56
mil mortes por ano é inaceitável. E está aumentando, enquanto está
caindo na maior parte do mundo. Em terceiro lugar, precisamos repensar a
política de drogas. Não que eu defenda a legalização ou sequer a
regulamentação. Defendo uma abordagem mais humana, em que tratamos
viciados como pacientes em vez de jogá-los na prisão.
O sistema
criminal no Brasil hoje favorece quem é branco e tem dinheiro, enquanto
que os mais pobres ou negros são jogados na prisão e têm suas vidas
arruinadas. Precisamos ter um debate nacional sobre este assunto, porque
o problema com as drogas é inevitável. Não podemos apenas tentar
controlar isso nas fronteiras.
Em quarto lugar, é preciso reformar
a Polícia. Não sei como isso deve ser feito, mas todos, até mesmo a
polícia, concordam que a estrutura atual não funciona. Não há como você
ter uma polícia investigativa tão distante da polícia ostensiva. É uma
contradição que leva à impunidade, porque os casos são mal investigados.
Por
fim, é preciso uma estratégia de segurança pública, com uma instituição
pública federal dedicada a este assunto. Não é necessariamente o caso
de criar um novo ministério, como está sendo feito em outras partes da
América Latina. Mas talvez seja hora do Brasil centralizar a
responsabilidade sobre isto, para gerenciar a prevenção de violência, a
política de drogas. Para haver coerência no que é feito.[Fonte: BBC]
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