SÍMBOLOS RELIGIOSOS

O USO DE SÍMBOLOS RELIGIOSOS NAS ESCOLAS PÚBLICAS

Por: Jorge Schemes*


A Lei nº 9.475, de 22 de julho de 1997 dá nova redação ao Artigo 33 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabeleceu as diretrizes e bases da educação nacional, ou seja: “O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo”. - Grifo nosso. (Entenda-se a palavra proselitismo como a intenção de conseguir adeptos para serem convertidos a uma outra religião, crença ou doutrina). Sendo assim, a prática da ação pedagógica do Ensino Religioso nas escolas da rede pública do Brasil merece cuidados e atenção especial.
O Artigo 33 da LDBEN (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) é claro quando afirma que o Ensino Religioso não deve ser norteado por nenhuma forma de proselitismo. Como formas de proselitismo dentro da Unidade Escolar podemos mencionar algumas, tais como: catequese (entenda-se por catequese o ensino religioso sistemático adotado pelas igrejas cristãs visando ao aprofundamento teórico e prático da fé evangélica); a preferência por determinada religião ou doutrina em detrimento das demais; o estabelecimento de juízo de valor entre as religiões, definindo qual é a religião verdadeira ou melhor e quais são as falsas ou tidas como heréticas.
O(A) professor(a) de Ensino Religioso é a peça central nesta questão, e acima de tudo deve ser ético e imparcial. Por essa razão, primeiramente precisa estar muito seguro(a) de sua crença (entenda-se por crença a convicção íntima e pessoal a respeito de algo que se tem por certo e verdadeiro. Fé religiosa). Também precisa receber formação específica, ou seja: graduação em Ciências da Religião com Habilitação e Licenciatura Plena em Ensino Religioso, pois o Ensino Religioso é uma área do conhecimento humano historicamente elaborado. Segundo o PCNER (Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Religioso), “a escola, por sua natureza histórica, tem uma dupla função: trabalhar com os conhecimentos humanos sistematizados, historicamente produzidos e acumulados, e criar novos conhecimentos. Todo o conhecimento humano torna-se patrimônio da humanidade. A sua utilização, porém, depende de condições sociais e econômicas bem como das finalidades para as quais são utilizadas. Nem todo o conhecimento é de interesse de todos. Um conhecimento político ou religioso pode não interessar a um grupo, mas, uma vez produzido, é patrimônio humano e como tal deve estar disponível. O conhecimento religioso é um conhecimento disponível e, por isso, a escola não pode recusar-se a socializá-lo. Por questões éticas e religiosas, e pela própria natureza da escola, não é função dela propor aos educandos a adesão e vivência desses conhecimentos, enquanto princípios de conduta religiosa e confessional, já que essas são sempre propriedades de uma determinada religião”. – grifo nosso. Diante disso, fica claro que a função da escola, enquanto instituição de ensino, não é a de promover as práticas religiosas ou incentivar a adesão e a vivência dos conhecimentos religiosos, isso seria uma forma de proselitismo. Outra questão que precisa ser analisada é a que diz respeito a adoção e o uso de símbolos religiosos pela escola. Antes, porém, é importante fazer algumas considerações sobre o significado do símbolo.
Antes da linguagem está o símbolo. Primeiro vêm os símbolos depois os conceitos. Mesmo o esoterismo e o arcano (segredo guardado) necessitam dos símbolos. O símbolo é a mediação do homem e o transcendente. O símbolo dá um segundo sentido às coisas profanas, o primeiro sentido é o que é, o segundo sentido é constituído pelo ser humano. O símbolo transignifica, ou seja; tem um significado além do que significa. O símbolo substitui palavras, representa, ilustra, reduz e amplia o significado. O símbolo é feito. O símbolo é polissêmico, ou seja: tem vários significados (polivalente). O símbolo é sintético quando deixa de ser polissêmico e passa a ser apenas um. O símbolo é relacional para quem experimenta o mistério que ele representa. O símbolo é permanente mas pode ser extinto pelo que são e como são. O símbolo geralmente é universal, pois há símbolos particulares. O símbolo é pré-hermenêutico (interpretação), lingüística e extralingüística. Por ser pré-hermenêutico o símbolo é signo aberto, interpretado dentro de uma determinada cosmovisão. O símbolo é totalizador. Translúcido nas coisas como são. O símbolo não pode ser forçado, tem que ter uma lógica. O símbolo tem uma função social. É gerador de um vínculo entre os seres humanos. A existência do símbolo é um ato social e um fato social como linguagem.
Diante disso, faz-se necessário o questionamento do uso de símbolos religiosos dentro das unidades escolares da rede pública de ensino? Não é incomum algumas escolas pendurarem crucifixos nas salas de aula, secretaria e sala dos professores. Seria isso uma forma de proselitismo? O fato é que nem todos dentro das escolas públicas são membros da Igreja Católica Apostólica Romana, e por diversas razões não aceitam este símbolo. E o que dizer dos professores que iniciam suas aulas com uma oração ou prece específica de alguma religião? E quanto ao sinal da cruz? Quem é evangélico não tem o hábito de fazê-lo. Como podemos perceber, o assunto é delicado, porém a LDBEN é esclarecedora quanto ao proselitismo.
O que está acontecendo na França pode servir de exemplo e alerta no que diz respeito ao uso de símbolos religiosos dentro das unidades escolares da rede pública de ensino. Depois de repudiar o véu islâmico usado por alunos, as escolas públicas da França rejeitaram também o turbante usado por alunos Sikhs. A nova Lei proíbe o uso nas escolas de qualquer sinal religioso considerado ostensivo – como o solidéu judaico ou a cruz católica – os Sikhs não escaparam. Eles usam um enorme turbante na cabeça porque a religião proíbe que cortem os cabelos. Ou seja, o turbante é um sinal de religiosidade. Alguns alunos estão sendo expulsos e outros proibidos de entrar em sala de aula por se negarem a tirar o turbante. Isso causou um impasse judicial, o qual levou o Governo Francês a sugerir a criação de Conselhos Disciplinares dentro das unidades escolares, abrindo espaço para o direito de defesa dos alunos que se sentirem excluídos ou discriminados.
A princípio, a decisão do Governo francês “parece” coerente com o que propõe o Artigo 33 da LDBEN, mas não é. Devemos considerar duas dimensões: a Unidade Escolar, enquanto instituição pública de ensino; e o aluno, enquanto cidadão pleno em seus direitos e deveres. Um símbolo religioso, quando adotado oficialmente pela Unidade Escolar enquanto Instituição Pública, pode causar constrangimento às minorias religiosas representadas no corpo discente, docente e demais funcionários, bem como constituir uma forma de proselitismo. Todavia, quando um símbolo religioso é usado individualmente por determinado aluno ou aluna, o critério deveria ser diferente. Na sociedade brasileira a liberdade de crença é um direito individual garantido na Constituição Federal Brasileira, em seu Artigo 5º - VI, o qual diz: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença...”. Assim, é um direito dos alunos e alunas, bem como de professores (as) das escolas públicas usarem símbolos religiosos sem sofrerem qualquer discriminação por isso, mas esse direito não pode ser usado para a prática do proselitismo. Quanto a escola, na condição de órgão público, não pode adotar oficialmente nenhum símbolo religioso para fazer parte de seu cotidiano pedagógico. Por outro lado, enquanto espaço de diversidades culturais e religiosas, a escola deve aproveitar as diferentes manifestações simbólicas presentes na vida de seus alunos para um fazer pedagógico interdisciplinar, estabelecendo e promovendo o diálogo inter-religioso, com ênfase no respeito pelo diferente e na ética da alteridade. As ações pedagógicas do Ensino religioso precisam ser direcionadas partindo da realidade dos alunos e da comunidade local, no sentido de construir uma cultura de paz e respeito entre as diferentes manifestações religiosas, promovendo o estudo do fenômeno religioso (Entenda-se por fenômeno religioso algo que se mostra, revela ou manifesta-se na experiência humana; é o resultado do processo de busca que o homem realiza na procura do transcendente. O fenômeno religioso pode ser explicitado pela existência de um núcleo em que se realizam experiências, vivências, acontecimentos, busca de um sentido, de significado último, que atingem a vida em sua globalidade, em sua radicalidade, com intensidade).
Também é pertinente considerar que, quando o Parlamento Francês proibiu o uso de símbolos religiosos ostensivos nas escolas públicas, o fez em defesa do caráter laico do Estado. Essa visão e postura discriminatória em relação ao uso de símbolos religiosos por parte dos alunos, reduz a escola a um santuário, uma espécie de igreja, na qual os alunos têm de tirar tudo que representa o sagrado. Mas outros símbolos podem entrar livremente, como Nike, Coca-Cola e propagandas políticas. A preservação da laicidade é uma obrigação da escola enquanto espaço público, logo, quem representa o Estado tem a obrigação de ser neutro, não o aluno, pois sua liberdade de consciência deve ser respeitada. A Lei francesa sobre o uso de símbolos na escola pública está privatizando o espaço escolar, transformando-o em santuário, o que é perigoso. Quando alguém entra numa mesquita (templo muçulmano), tira o sapato, mas quando o aluno entra na sala de aula, a mística é pedagógica, pois a mesquita pertence aos muçulmanos, é um lugar de culto e tem uma mística espiritual, enquanto que a escola pertence aos cidadãos. A escola é um lugar para todos, indistintamente, um lugar de todos os cidadãos com todas as suas diferenças e especificidades. O Estado aceita as diferenças de diversidades culturais religiosas com a condição de que se respeitem as regras de convivência comuns a todos. E não há nada nos símbolos religiosos usados por alunos que vá contra essas regras comuns.
Portanto, diante desta realidade, o Ensino Religioso destaca-se enquanto área do conhecimento dentro do contexto escolar, atuando como mediador de conflitos e construtor de uma cultura de paz e solidariedade entre as diferenças manifestadas no uso individual de símbolos sagrados. Pois o Ensino Religioso não vê a diversidade e os símbolos religiosos como obstáculos, mas como recursos pedagógicos a serem utilizados no diálogo inter-religioso, objetivando a formação de cidadãos solidários e comprometidos com a efetivação dos direitos humanos universais.
*Jorge Schemes:
Licenciado em Ciências da Religião pela FURB - Blumenau, SC.

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