EDUCAÇÃO, EXCLUSÃO E ALTERIDADE

EDUCAÇÃO, EXCLUSÃO E ALTERIDADE
Por: Jorge Schemes

A educação deve partir do pressuposto de que o ser humano é um ser livre. Todavia para J. P. Sartre “todos somos condenados à liberdade”, ou seja, o que escolhemos é que nos dá a liberdade, porque “liberdade absoluta” não existe. Como afirmava Michael de Montaigne: “a verdadeira liberdade é poder tudo sobre si mesmo”. Contudo, o princípio que deve nortear a liberdade é fazer-se livre com responsabilidade. E. Kant afirmava: “eu dou a mim mesmo a própria lei” (imperativo categórico). Partindo deste princípio, há duas maneiras de agir: ação conforme o dever e ação por dever. Qual a diferença entre elas? Na ação conforme o dever os atos são por inclinação que vem de fora, ou uma determinação externa (ação heterônoma). Na ação por dever acontece justamente o contrário da heteronomia, ou seja, a autonomia. Ação conforme o dever não tem valor moral porque é conduzida por fatores externos, é obrigação. Por outro lado, ação por dever é uma ação autônoma, portanto tem valor moral, porque parte do princípio interno da autoconsciência. Ação por dever também é subjetiva, pois valoriza o ser humano enquanto fim em si mesmo e não como meio.
Contudo, o que presenciamos na cultura ocidental é um novo holocausto do ser humano. Há tantas vidas encurraladas, manietadas, torturadas, que se desfazem e à margem de uma sociedade que não os vê ou, finge que não os vê. Entre esses despossuídos ergue-se uma espécie de vidraça cada vez menos transparente. E como são cada vez menos vistos, como alguns os querem ainda mais apagados, riscados, rejeitados dessa sociedade, eles são chamados de excluídos. Porém, ao contrário, eles estão aí, na realidade incluídos até a medula de cada um de nós. Incluídos em descrédito. Observados, mas Ignorados. Sem direto à liberdade social, porque alguns poucos acham que a liberdade deles é o fim da sua própria. Todavia, a liberdade começa quando garantimos a liberdade do outro, na realidade ela não termina nem começa, pois a liberdade está sempre em construção. Não podemos, em hipótese alguma, servir de obstáculo à liberdade do outro, é nosso dever garantir a liberdade do outro. Só há moral, justiça e direitos quando garantimos a liberdade do outro. Muitas vezes ficamos presos e dominados por regras, regrinhas, picuinhas e minúcias, a tal ponto que esquecemos o grande horizonte daquilo que realmente tem importância na vida. Na educação há coisas e atitudes que são obstáculos para a construção e garantia da liberdade para os alunos. Não raro, o ser é deixado de lado, a construção do ser humano em si é relegada a segundo ou terceiro plano, e passa-se a dar mais importância para uma vírgula ou um ponto que foi esquecido. Todavia, vale refletir: o que realmente tem valor e importância na educação? Deveria ser o homem em si e na sua totalidade. Porém, o que ainda orienta a educação é a ação conforme o dever, o que não é de todo errado, afinal, a sociedade é construída e orientada por este princípio; entretanto, a educação precisa ir mais além e ser conduzida pelo princípio da ação por dever, precisa olhar para a beleza e a complexidade do ser humano enquanto ser em constante estado de educação.
A questão é a transformação do profissional da educação, a mudança de paradigma e o objetivo de não ser um obstáculo à liberdade do outro. Faz-se necessário ter uma postura fenomenológica e não apenas positivista frente aos alunos. Criar obstáculos é fácil, olhar as picuinhas e esquecer do ser humano. Mas construir a liberdade garantindo que ela esteja no outro não é tarefa simples. Reprimir e sufocar aqueles que, segundo nossa visão, estão agindo fora do dever, é desconstruir a liberdade. Por outro lado, é fundamental possibilitar que crianças e adolescentes se reconheçam como seres humanos e consigam conviver harmoniosamente com o que eles têm em seu coração. Por isso o educador é um eterno tentador, sempre tem que tentar, tentar, tentar. Os alunos percebem quando o professor entra na sala de aula, se está animado ou desanimado. Também percebem quando o professor está agindo apenas conforme o dever (heteronomia), ou agindo por dever (autonomia). O professor deve estar autoconsciente do valor dos seus alunos enquanto seres humanos em si mesmos, e não apenas como meios de receber os conteúdos.
Para que essa prática seja possível, é necessário a prática da ética da alteridade. Segundo Michael Foucault, “esta é a ética que dá mais conta das relações humanas”. Para Emmanuel Lévinás, o princípio da ética da alteridade é o respeito pelo diferente. O rosto do outro nos convoca, nos interpela e nos convida. A ética da alteridade no rosto do outro revela o seu infinito. Esta ética quebra os paradigmas tradicionais estabelecidos por outras éticas. O que identifica o outro é o seu rosto, e é muitas vezes no rosto do outro que eu encontro a minha própria identificação. Cada rosto é diferente, mas me dá o sentido do respeito, face a face, olho no olho (alteridade), eu me vejo no outro, pois há uma interpelação quando estamos diante do rosto do outro. Quando o professor aprender a olhar no rosto de seus alunos e não apenas no diário de classe, quando permitir ser olhado, o senso do respeito ao outro e ao que é diferente, surgirá. Este senso surge quando identificamos o rosto e permitimos ser identificados. Apreender o sentido e o infinito no rosto do outro é a ética da alteridade. Ensinar os alunos a respeitar o outro é ensiná-lo a ver o rosto do outro. Muitas vezes para ver o rosto do outro é preciso olhar com outras lentes, de preferência com a lente do outro, e procurar ver como o outro vê.
Nosso discurso hoje não pode estar embasado em éticas reducionistas, mas na ética da alteridade. A prática está enraizada na teoria, no discurso, na fala. Sendo assim, que tipo de fala (teoria) está fundamentada a prática da educação? Que discurso e que ética está sendo teorizada em sala de aula? Porventura serão discursos antagônicos? Discursos que revelam uma prática excludente? Deve-se levar em consideração que ética não é apenas um discurso, mas a vida. Ética da alteridade não é um discurso vazio, deve primeiro ser interiorizada, introjetada e vivida, para que possa criar laços e não separar ou romper. Há muitas “verdades” cristalizadas na educação que precisam ser jogadas fora, pois são excludentes e ferem a ética do diferente, da alteridade, a qual é a favor da inclusão. Educação, seja no nível que for, não é mais doutrinar e excluir o diferente, por isso deve estar centrada num comportamento e numa atitude ética de alteridade. Éticas reducionistas levam à discriminação, enquanto que a ética da alteridade leva a uma prática de respeito e tolerância, pois esvazia o indivíduo do preconceito. Há discursos que levam a princípios de verdades que são excludentes, o grande desafio para a educação e para educadores é usar o discurso da ética da alteridade para que as ações sejam de inclusão. E tudo isso começa pelo olhar o rosto do outro, prestar atenção e saber ouvir o outro olhando em seus olhos e vendo de perto o seu rosto (alteridade). Não é um olhar superficial, é um olhar de empatia, sentir o que o outro sente, sentir o que pensa e como vê a vida. Resumindo, é uma ética da alteridade empática. Com que autoridade um professor ou educador pode estabelecer juízo de valor e definir o que é e o que não é? Se o seu discurso estiver baseado numa ética reducionista, certamente a sua prática pedagógica de ensino-aprendizagem será excludente do diferente. Todavia, se o seu discurso tiver como parâmetro uma epistemologia da ética da alteridade, a sua prática pedagógica será libertadora dos estereótipos, pré-julgamentos, preconceitos e exclusão do diferente, pois sua prática será face a face, olho no olho, tendo como resultado o respeito pelo outro como ser humano único e especial. Para tanto, talvez seja necessário quebrar paradigmas ultrapassados, quebrar o próprio conhecimento construído de maneira fragmentada e formatado para não ver o rosto do outro. Se isso for preciso, será necessário ao mesmo tempo, alimentar o espírito com novos paradigmas com embasamento teórico epistemológico a favor da ética da alteridade. Para isso, é essencial e sumamente necessário ter humildade.
Os alunos percebem se o professor é coerente ou não, se está fazendo um bom trabalho ou um papelão na frente deles. A ética da alteridade pressupõe um comportamento de imparcialidade, justiça, humildade e apreensão do outro, do que é diferente. Assim, ter ética é ter uma atitude positiva perante o outro, pois ética é uma ação que não causa sofrimento em alguém. Uma pessoa ética torna o ambiente saudável. Fazer uma reflexão e uma auto-avaliação é fundamental para que o professor ou educador possa rever seu discurso, sua postura ética e consequentemente sua prática pedagógica. A coerência entre teoria e prática é fundamental na educação. O grande desafio, é formar uma consciência crítica autoconsciente, e estabelecer uma coerência entre a epistemologia da ética da alteridade e a prática desta ética no cotidiano das relações interpessoais, seja dentro da comunidade escolar ou na própria vida.

BIBLIOGRAFIA:

DUSSEL, Enrique. Ética Comunitária. Petrópolis: Vozes, 1987.
OLINTO, Pegoraso. Ética é Justiça. 5a Edição, Petrópolis: Vozes, 2000.
VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. 19a Edição, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
FORRESTER, Viviane. O Horror Econômico. São Paulo: Unesp, 1997.


Jorge N. N. Schemes – (47) 91083954
Bacharel em Teologia – SALT/IAE – São Paulo – SP
Licenciado em Pedagogia – Administração Escolar – ACE – Joinville – SC
Pós-Graduado em Interdisciplinaridade – IBPEX/UNIVILLE – Joinville – SC
Estudante de Pós-Graduação em Psicopedagogia – IBPEX/FACINTER – Joinville – SC
Estudante de Ciências da Religião – FURB – Blumenau – SC
Técnico Pedagógico – GEREI – Joinville - SC

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